A ligação crime-prisão está longe de ser linear

By
Advertisement
Hoje em dia a prisão já não é uma estrutura banal, já não é um lugar onde se agrupam reclusos sem qualquer meio de organização. A prisão é uma instituição com regras que vão desde a alimentação, desde o estabelecimento de horários para acordar e para dormir, as regras passam também pelo vestuário (onde se usa uniforme) para os distinguir do resto dos outros grupos que lá trabalham e também serve para os caracterizar como um grupo que fez algo de errado na sociedade. Mas não são só os reclusos que passam pelo processo na prisão, pois também os familiares são afetados, pois quando vão visitar alguém dentro das prisões têm de passar por um procedimento (são revistados antes de entrarem, etc.) e acabam por viver um pouco influenciados pela prisão. Porém, não podemos esquecer que o número de reclusos não corresponde diretamente ao número da criminalidade, ou seja, para se tentar perceber então a ligação entre “prisão/criminalidade” formularam-se várias perspetivas acerca do assunto. No livro “Aquém e além da prisão” focasse uma articulação com o mundo dos reclusos dentro da prisão, mas também aborda-se a vida dos reclusos fora da prisão “contexto extra-muros” (Cunha, 2008:7).
Numa perspectiva da ecologia social e segundo, Philippe Combessie (1998), a ligação entre prisão e sociedade faz-se através de uma “interface imediata” a que Combessie designou de “perímetro sensível” que designa a área onde a prisão está localizada dentro de uma determinada localidade. Já Renouard (1999) estudou alguns exercícios nomeadamente os de camuflagem, elaborados pelos residentes em relação à prisão e ao seu exterior. Concluindo que essa zona se tornaria uma terra morta, uma terra de “ninguém”. Numa perspetiva estrutural a prisão era vista como uma resposta aos problemas da sociedade, era como um depósito onde a sociedade enviava os fazedores de males para que ficasse limpa. Sendo assim, a prisão é vista pela sociedade como uma instituição onde os reclusos vão ser castigados pelos crimes que cometeram.
Mas não podemos esquecer que, por outro lado, esta perspetiva mais estrutural não é muito linear, pois sabe-se que o número de reclusos que estão registados não está de acordo com o índice de criminalidade, ou seja, esta instituição não funciona de maneira igual nem é totalmente eficaz no que toca a combater o crime, pois existem menos reclusos presos do que na verdade deveria existir uma vez que existem mais crimes cometidos. O facto, da ligação entre “prisão/crime” não ser linear fez com que autores se debruçassem sobre o problema através de análises da economia política da reclusão, tal como fez Rusche e Kirschheimer onde concluíram que a prisão tinha uma influência direta no controlo do mercado de trabalho, “enchendo-se para responder ao excesso de mão-de-obra e esvaziando-se quando ela é escassa, razão pela qual os índices prisionais e de desemprego variavam no mesmo sentido.” (Cunha, 2008:10)
Mas autores como Steve Box e Hale (1982) dizem que, sim existe uma ligação, mas é uma ligação indireta. Pois se variassem do mesmo modo ambas teriam de mudar em ciclos económicos onde haveria um aumento das populações “economicamente marginais.” (Cunha, 2008:10)
Mas Rusche e Kirschheimer também dão importância ao papel estra-penológico da prisão como gestor das populações mais desfavorecidas e mais afetadas pela sociedade industrial. O século XIX tornou-se o século da criminalização da miséria, através da criminalização da vadiagem.
Para Wacquant (2001) a prisão contemporânea fazia parte de um sistema que regulava a pobreza, da qual fazia parte as políticas sociais. O crescimento, então, das prisões só seria explicado através das reestruturações do Estado, que se dividiram em três partes. A primeira parte corresponde ao declínio do Estado Keynesiano, a segunda parte corresponde à retração do Estado na esfera social (pobreza e desemprego) e a terceira parte corresponde a um esforço e a uma extensão do “aparelho punitivo do Estado”. Isto estaria ligado então na redefinição das modalidades por parte da ação do poder político. (Cunha, 2008:12)
Foucault (1975) tinha a noção que a prisão se ia tornar uma instância periférica sob uma forma disciplinar genérica e ampla. Assim, os cientistas sociais passaram a analisar o estudo de uma forma menos centralizada do controlo e da normalização das instituições (escolas, hospitais) deixando de parte as prisões.
Houve um crescimento penitenciário exponencial por toda a parte fazendo com que as populações prisionais aumentassem também, o que fez com que Wacquant (2002) afirma-se que a prisão e o sistema penal se tivessem tornado num conceito importante para a antropologia histórica do Estado. Passou-se então a estudar esta ligação (prisão/crime) sob uma visão científica. Existem algumas diferenças nas tendências descritivas que também são estruturais. As principais diferenças estão nos níveis de encarceramento que são inferiores (a taxa de encarceramento americana é mais elevada do que na EU. E por outro lado o “braço social do Estado não foi substituído da mesma forma do braço penal”. (Cunha, 2008:14)
Registou-se uma viragem punitiva nas politicas penais o que originou um aumento significativo nos índices de reclusão. O quadro macro-estrutural na ligação prisão/sociedade necessita de referências a nível intermédio (politicas penais). No livro temos a referência do caso Europeu onde se tem registado uma tendência para um tratamento mais flexível e benevolente por quem tenta evitar uma pena de prisão. Por outro lado, e contrariamente temos o agravamento das penas de prisão para crimes mais graves e que posso afetar mais a sociedade. Estas duas tendências marcaram uma evolução na forma como se passou a tratar a criminalidade, denominando-se, segundo Bottoms (1983), por Tubex e Snacken (1996) como um “processo de bifurcação”, pois é resultado da união de, por um lado, existir a redução do recurso as penas curtas (existindo alternativas) e por outro lado, por um agravamento de penas grandes, aumento do recurso a longas penas e por último, para uma pena de igual duração um maior tempo de reclusão. (Cunha, 2008:15)
Ou seja, os juízes podem aplicar penas de prisões de acordo com o que acham que o público vai exigir e achar correto. Uma parte do público não acredita que os juízes vão aplicar uma pena correta e consequentemente isto assenta numa taxa de criminalidade incorreta, como é o caso da criminalidade violenta onde se é exigido uma maior repressão por parte de quem detém o poder. Em contrapartida é o facto de na realidade as coisas não acontecerem assim, porque de facto a opinião pública pouco influencia nas decisões a serem tomadas pela política penal. Em suma, seguir por uma via mais violente (de repressão) levada a cabo para responder a crimes não tem influência nas atitudes a serem tomadas.

Como já referi, anteriormente, a família não pode ser esquecida deste meio. Pois esta relação marca a ligação entre o exterior e o interior em paralelo à abordagem de ecologia social. Esta nova abordagem, segundo, Wacquant baseia-se num quadro micro-estrutural conjugando a gestão social com a gestão penal da pobreza (uma ligação entre prisão e o bairro). Estas pessoas (tanto familiares como vizinhos) circulam em larga escala dentro das prisões, contribuindo de uma certa forma para que os reclusos vivam de uma maneira menos agressiva a prisão, podendo-se concluir que a prisão já não se trata de um “intervalo social” mas ainda funciona como um meio de socialização com o exterior pois as pessoas não deixam de ter o contacto com o social, contrariando a opinião de Goffman (onde ele afirmava que numa instituição total o recluso desligava-se da sociedade) (Cunha, 2008:26).

0 comentários:

Enviar um comentário

Todas :

Teste