No
período de 1851 a 1900 no Recife verificou-se a existência de noventa e quatro
surtos epidémicos de considerável amplitude, alguns deles com espantoso número
de óbitos, de catorze doenças diferentes: - Varíola, malária, cólera-morbo,
febre-amarela, disenteria, febre tifóide, beribéri, sarampo, coqueluche,
difteria, escarlatina e influenza que, em 1904, matou 2.886 pessoas e a gripe
espanhola, com 1.783 vítimas em 1918.
As
pessoas nesta altura procuravam todos os tipos de ajuda e cura, recorrendo
mesmo a de médicos, cirurgiões, farmacêuticos e boticários, a práticos que
detinham o conhecimento das ervas e drogas e exerciam a cura a partir da
tradição popular.
Em
meados do sec XIX, quando a medicina começou a evoluir e a tornar-se numa
ciência evoluída e capaz, houve uma grande luta entre a medicina e as curas
tradicionais em que as pessoas acreditavam e usavam á vários anos. A maior
parte dos melhores médicos a actuar lá eram brasileiros e estrangeiros, e na
altura utilizavam a medicina tradicional francesa, e tinham como técnica a
sangria, com as sanguessugas e as bichas hamburguesas para curar os doentes,
sendo a técnica mais eficaz, estas bichas podiam ser encontradas em farmácias
na altura. Na altura, até os barbeiros, que cortavam cabelo claro, e também
arrancavam dentes, usavam esta técnica para curar os doentes.
Para
os médicos, era muito complicado aplicar a sua medicina, combater as ideias
tradicionais da medicina e as novas ideias da medicina moderna europeia, para
as pessoas foi muito complicado deixar os seus hábitos de cura para entrar
nestas novas ideias de medicina moderna, e os médicos sentiram essa dificuldade
na época.
Para
os médicos, a maior parte destes curandeiros, eram entendidos como
“charlatões”, sendo que tentavam dar o golpe nas pessoas, prometendo curas
milagrosas a partir de métodos ineficientes e atrasados. Estes eram pessoas que
vendiam drogas nas praças públicas e nas feiras. Para Freitas, um médico
conceituado na altura, que estudou medicina e aplicou no Recife, todos as
pessoas que aplicavam medicina e não detinham o curso médico eram denominados
“charlatões”, apenas Paula Portão, não foi assim denominada, mas sim de
“curandeira”, o que significava praticamente o mesmo.
Desde
o período colonial até praticamente o final do século XIX, os remédios
empregados para a cura das enfermidades eram, na maior parte, formulações
manipuladas por boticários, executadas às vezes à vista dos clientes, à base de
substâncias como iodo, mercúrio, ácido bórico, quinino, arsénio, óleos
variados, ervas, sementes, raízes e vinhos importados. Muito desse conhecimento
foi herdado dos indígenas ou adquirido a partir do contacto com os escravos.
Esses remédios, “com suas fórmulas secretas, que por longo tempo juntaram
magia, religião e ciência nos trópicos, acompanhando os referenciais culturais
tanto de colonizadores quanto dos colonizados, síntese de um contexto
sociocognitivo, transitava entre a magia e o cientificismo.
No
início do século XX, a fabricação de medicamentos em laboratórios e a
comercialização dos produtos já prontos pelas farmácias e drogarias vai, aos
poucos, transformando o papel das boticas e farmácias.
Os
farmacêuticos, com o passar do tempo começaram a ter um papel mais de
revendedor de medicamentos, o que fazem agora, sendo que o papel do médico
passou a ser o de avaliar o problema do paciente e receitar-lhe os
medicamentos, sendo que nesta altura, eles já pouco sabiam de que eram feitos,
o seu trabalho deixou de ser esse.
Segundo
o dr. Freitas, em meados do século XX a medicina no Recife vai, aos poucos,
incorporando as descobertas mais recentes, atingindo um status científico.
Médicos tecnicamente instruídos, instrumentos de escuta aperfeiçoados, novos
métodos de diagnóstico, como análises químicas, microscópicas, aparelhos
eléctricos para exames de doenças nervosas e as famosas máquinas de raios X
eram técnicas que começavam a ser empregadas na cidade. Nesta altura começou-se
a usar a cesariana, sendo que apenas á 3ª conseguiram ter sucesso, tendo antes
fracassado por duas vezes.
O
crescimento do número de médicos diplomados na cidade em função da fundação da
Escola de Medicina do Recife, a disputa por clientes com as práticas populares,
os avanços tecnológicos em relação às formas de comunicação, a articulação com
uma economia de mercado e a paulatina transformação dos serviços médicos em
produto fizeram com que parte dos médicos começassem a recorrer à propaganda em
jornais e periódicos para anunciar e oferecer seus serviços.
Apesar
dos avanços a que a cidade assistia na ciência médica, da crescente
especialização dos médicos, dos aparelhos modernos e remédios que prometiam
curas revolucionárias, como a aspirina, e da propaganda usada no convencimento
dos clientes, a população continuava a consumir xaropes, chás e beberagens
caseiras, não deixando também de, vez por outra, fazer visitas a um
“curandeiro”, feiticeiro ou ir a uma sessão de “catimbau.” A tradição consegue
muitas das vezes vencer os factos.
O
que fazia a população procurar essas formas de tratamento na tentativa de
solucionar seus problemas físicos e espirituais era a persistência de saberes
originários de diversas raízes culturais, referenciais que faziam parte da
formação da mentalidade colectiva da maioria da população local. Esses
populares, conhecedores das ervas, drogas e segredos dos vegetais, preparavam
mezinhas, tisanas, poções e garrafadas que diziam sanar as moléstias que
atingiam a população. Os periódicos, memórias e crónicas do início do século XX
estão cheios de relatos sobre esses populares, comummente apresentados como
“embusteiros”, que prometiam a solução dos problemas de saúde a partir de
métodos diferentes daqueles usados pelo saber médico oficial. Alguns desses
“curandeiros” chegaram a ganhar certa fama na cidade, conforme referências da
época, atraindo muita gente que buscava nas promessas de cura o alívio para
suas mazelas.
O
sucesso de algumas curas realizadas deviam-se a um fenómeno que ele classificou
de “sugestão colectiva”, fazendo com que “o falso Messias enchesse suas arcas com
os cobres dos desenganados da medicina oficial.
A
procura dos pais-de-santo e praticantes dos cultos afro-brasileiros na busca da
cura das enfermidades e outros males do espírito também era muito frequente no
Recife. A forte tradição religiosa entre os afro-descendente que habitavam nos
subúrbios da cidade fez com que várias casas de culto se estabelecessem nesses
bairros, onde os pais e mães-de-santo se tornavam conhecidos e respeitados.
Entre
os pais-de-santo observava-se o exercício da “feitiçaria-médica”, que seria o
curandeirismo de origem mágico-fetichista”. Segundo os jornais, as sessões de
“catimbau” atraíam a presença de doentes, pessoas com problemas financeiros,
morosos enfim, “muitos crentes que iam à procura de um alívio para o mal que os
afligia.”
A
busca dos habitantes da cidade por esse tipo de actividade, inclusive por parte
daqueles pertencentes às elites, demonstra que os referenciais culturais dessa
população estavam ligados a uma tradição diversificada, composta de elementos e
símbolos múltiplos que persistiam no seu imaginário.
Nos
anos vinte, também eram muito populares no Recife as cartomantes e videntes.
Segundo Walter Benjamin, “quem pergunta pelo futuro a benzedeiras abre mão, sem
o saber, de um conhecimento interior do que está por vir, que é mil vezes mais
preciso do que tudo o que lhe é dado ouvir lá.” Para ele, signos precursores,
pressentimentos, sinais atravessam quotidianamente nosso organismo como
“batidas de ondas.”
O
tipo de propaganda publicada nos jornais leva-nos a reflectir sobre a aceitação
de tal actividade pelo público que tinha acesso aos periódicos, pertencente na
sua maioria, às amadas mais abastadas da população. O uso dos jornais como meio
de divulgação sugere que as cartomantes buscavam atingir um público pertencente
às camadas médias e às elites da cidade.
Os
videntes e cartomantes faziam questão de diferenciar seu trabalho daquele que
era realizado pelos praticantes dos cultos afro-brasileiros. Apesar de não
abrirem mão dos seus poderes mágicos e do misticismo, os anúncios que
publicavam destacavam como qualidades mais importantes o carácter científico da
actividade que desenvolviam, baseada, segundo eles, em estudos de grafologia,
cartomancia, magnetismo e astrologia, dentre outras técnicas e “ciências ocultas.”